
Gestação e lactação em cadelas: como fornecer a nutrição ideal?
Os períodos de gestação e lactação compreendem diversas alterações fisiológicas e anatômicas que visam favorecer o crescimento fetal. São necessários nutrientes e energia em quantidades adequadas para a sua manutenção e um excedente para a multiplicação celular e o desenvolvimento dos filhotes.
As cadelas atingem a maturidade reprodutiva com, aproximadamente, 6 a 12 meses de idade. Entretanto, isso não significa que devam ser direcionadas tão prontamente para o acasalamento, uma vez que o ciclo reprodutivo se inicia quando a fêmea alcança 75% do peso adulto, ou seja, o seu desenvolvimento ainda não está completo e, por isso, o desafio fisiológico torna-se muito maior para esta cadela que, além de gestar e produzir leite, ainda precisa completar o seu amadurecimento físico (KLEIN, 2014).
A reprodução também é contraindicada em fêmeas obesas ou abaixo do peso ideal. Na obesidade, a presença de tecido adiposo no canal do parto dificulta a saída do filhote, ou seja, causa distocia (GERMAN, 2006). A desnutrição, por sua vez, pode favorecer o nascimento de filhotes fracos e pequenos, além de aumentar o risco de mortalidade neonatal (MCDONALD et al., 2014).
A gestação das cadelas tem duração mínima de 58 dias e máxima de 66 dias. Os dois primeiros terços da gestação são caracterizados por poucas alterações (mínimo ganho de peso, ausência de produção de leite e sem comportamentais), enquanto o último terço é o período em que ocorrem mudanças fisiológicas, anatômicas e comportamentais mais evidentes (FONTAINE, 2012; KLEIN, 2014).
É no último terço da gestação, após o quadragésimo dia, que a cadela começa a ganhar peso de forma significativa em função do crescimento exponencial dos filhotes e seus anexos fetais, das glândulas mamárias e da produção de leite. As cadelas podem chegar a ganhar de 15 a 25% de peso corporal até o momento do parto (FONTAINE, 2012).
Neste momento, a cadela também tende a reduzir o seu nível de atividade voluntária ou pode ficar mais ansiosa. Ela também pode se afastar ou buscar mais atenção (SANTOS; BECK; FONTBONNE, 2020). O crescimento exponencial dos filhotes é a causa da alta demanda energética desse período, que chega a aumentar em 35% a necessidade de ingestão calórica (NRC, 2006). À medida que a necessidade energética aumenta, observa-se, no entanto, uma redução da capacidade de distensão gástrica, pois os filhotes ocupam mais espaço dentro do útero, preenchendo cada vez mais a cavidade abdominal. A nutrição adequada torna-se um desafio para a fêmea, que precisa ingerir uma alta quantidade de calorias diárias, mas tem a limitação da capacidade gástrica para armazenar alimento (CASE, 2005; DEBRAEKELEER; GROSS; ZICKER, 2010). Assim, durante essa fase da gestação, recomenda-se que as fêmeas recebam alimentos de alta densidade energética, ou seja, que possuam grande quantidade de calorias e nutrientes em um pequeno volume (CASE, 2005; NRC, 2006).
Além do aumento da necessidade energética, observa-se também um aumento da necessidade de ingestão de macro e micronutrientes, como proteínas e aminoácidos, gorduras, minerais e algumas vitaminas, de forma que o perfil e as exigências nutricionais nesta fase, bem como na fase de lactação, são as mesmas de um filhote em crescimento inicial (até as 14 semanas de vida). Portanto, os alimentos formulados para crescimento de cães são indicados durante o período reprodutivo devido à sua composição e alta densidade energética (superior a 4 quilocalorias por grama) (DEBRAEKELEER; GROSS; ZICKER, 2010).
Além disso, alguns nutrientes que antes não eram necessários para a manutenção de adultos, passam a ser necessários durante a fase de reprodução, como os ácidos graxos ômega 3, importantes para formação da retina, vias auditivas, sistema nervoso central e desempenho cognitivo dos filhotes (HEINEMANN et al., 2005; HEINEMANN; BAUER, 2006; FEDIAF, 2011). É importante lembrar que, nesta fase, embora as necessidades sejam maiores, desde que a cadela consuma um alimento completo e balanceado para filhotes em crescimento (preferencialmente compatível com o seu porte), não existe a necessidade de suplementações (FASCETTI; DELANEY, 2012; LOURENÇO, 2015).
De acordo com FASCETTI e DELANEY (2012), a lactação é o maior desafio nutricional na vida de uma fêmea. Em cães, esse período dura aproximadamente quatro semanas, com pico de produção de leite a partir da terceira semana, fase em que a cadela chega a produzir o equivalente a 8% do seu peso corporal em mililitros (mL) de leite, dependendo do número de filhotes (DEBRAEKELEER; GROSS; ZICKER, 2010).
A ingestão calórica da fêmea nessa fase dependerá do número de filhotes a serem amamentados e do estágio da lactação (primeira, segunda, terceira ou quarta semana), e será determinada por equações matemáticas descritas pelo National Research Council (NRC, 2006).
De acordo com a referência citada, uma cadela que pesa 10 kg, está no terço final da gestação e possui 8 filhotes, apresenta requerimento energético de 1002,3 kcal/dia. Essa mesma cadela passará a requerer um total de 2.183,4 kcal/dia na quarta semana de lactação, ou seja, a amamentação destes filhotes aumenta em 117% sua necessidade energética em relação ao terço final da gestação.
Além da maior demanda energética, o desenvolvimento dos filhotes também intensifica os cuidados maternos, que envolvem atenção, limpeza, aquecimento e até mesmo a educação dos filhotes. Essa situação exige muito empenho e presença constante da mãe, o que acaba por reduzir o tempo disponível para atender às suas próprias necessidades fisiológicas, o que, associado à alta demanda energética no período, pode culminar no seu emagrecimento, principalmente, entre 48 horas e 4 semanas pós-parto, quando a ela quase nunca deixa o ninho e os cuidados maternos são mais intensivos (DEBRAEKELEER; GROSS; ZICKER, 2010; LEZAMA-GARCÍA et al., 2019; SANTOS; BECK; FONTBONNE, 2020).
De forma geral, é necessário reconhecer que a cadela irá se alimentar, hidratar, defecar e urinar quando for conveniente para os filhotes e para si mesma, e não de acordo com a rotina e horários previamente impostos. A fim de minimizar os impactos desse período, recomenda-se que seja disponibilizado alimento de alta densidade energética e rico em nutrientes várias vezes ao dia.
Cabe ressaltar que alguns autores recomendam a alimentação ad libitum, ou seja, sem controle de quantidade e frequência (CASE, 2005; DEBRAEKELEER; GROSS; ZICKER, 2010). Entretanto, embora esse manejo seja prático, é parcialmente questionável do ponto de vista da conservação do alimento industrializado, que, em contato direto com oxigênio e a luminosidade, sofre prejuízos à sua qualidade (GROSS et al., 1994; LIMA et al., 2013). Nesse sentido, é possível permitir que a cadela controle a sua própria ingestão energética, mas não é necessário disponibilizar a quantidade total diária de alimento de uma só vez. O fornecimento do alimento em porções ao longo do dia é uma forma de minimizar as perdas que interferem diretamente a qualidade do produto.
De acordo com FASCETTI e DELANEY (2012), o crescimento adequado dos filhotes é um reflexo do desempenho da mãe, o qual está diretamente relacionado à sua nutrição e saúde durante o período. Assim, podemos concluir que a nutrição adequada é a maior aliada nessa fase e, um médico veterinário sempre deverá ser consultado pelo tutor antes de serem realizadas medicações e/ou suplementações aparentemente inofensivas.
Lembrando que, para uma avaliação nutricional completa de fêmeas caninas e felinas, é importante avaliar o escore de condição corporal e escore de massa muscular.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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